Era 5h30 da manhã quando Maria, empregada doméstica há quinze anos, preparava o café na casa onde trabalhava. Enquanto a água esquentava, ela murmurava uma oração pedindo forças para mais um dia. Do outro lado da cidade, Dr. Roberto, executivo de uma multinacional, tomava seu espresso enquanto revisava uma decisão que poderia afetar centenas de empregos. Ambos, em seus mundos aparentemente distantes, precisavam da mesma coisa: uma fé que funcionasse não apenas nos domingos, mas especialmente nas segundas-feiras. Esta é a teologia que nossa geração clama: real, prática, transformadora.

Nos últimos anos de pastoreio, tenho entendido de forma cada vez mais clara que a boa reflexão teológica é aquela que atinge as pessoas comuns, como Maria e Roberto. Nessa caminhada da vida, tenho experimentado uma transformação fundamental na compreensão pastoral: a percepção de que a verdadeira teologia não habita apenas as torres de marfim acadêmicas, mas precisa  também espirar no ritmo da vida cotidiana. Embora os bons teólogos da minha formação, quando ainda era seminarista, tenham construído as bases de minhas crenças, compreendi bem cedo, que cada um reflete os problemas e experiências de seu próprio tempo. A proposta que surge dessa caminhada tem sido, pelo menos para mim, revolucionária: uma teologia encarnada, que dialoga com a empregada doméstica, o profissional em crise ética ou a mãe que busca respostas. É uma fé que não se contenta em ser admirada à distância, mas que se envolve nas decisões do dia a dia, oferecendo luz para os caminhos práticos da existência.

É aqui que a analogia do médico de família se torna tão poderosa. A teologia acadêmica tradicional pode ser como um cirurgião especialista: brilhante e necessário para emergências complexas, mas distante da rotina. Já a teologia prática é como o médico de família: ele conhece sua história, entende suas dores cotidianas e acompanha sua jornada de saúde de perto. Ambos são vitais, mas é o acompanhamento constante que promove o bem-estar diário. Precisamos de uma fé que seja menos cirúrgica e mais familiar, acessível nas consultas do dia a dia.

Essa busca por uma fé aplicável não é uma invenção moderna; ela ecoa o próprio fundamento da pregação apostólica. Em 1 Coríntios 2:4-5, o apóstolo Paulo afirma: “A minha palavra e a minha pregação não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus.” A ênfase nunca foi o brilho intelectual, mas a transformação real e palpável na vida das pessoas.

Isso não é um desprezo à razão; pelo contrário. O filósofo Immanuel Kant reconhecia que “as questões éticas pertencem à razão prática, onde agimos livremente segundo princípios morais”, destacando que a verdadeira moralidade se manifesta na ação, não na mera contemplação. Nesse sentido, a perspectiva de Tomás de Aquino, que afirmava que “a Filosofia e a fé cristã não se chocam nem se confundem, mas são distintas e harmônicas”, oferece a base para uma teologia que dialoga com a razão prática. A boa teologia, portanto, une fé e razão não para criar sistemas abstratos, mas para iluminar as escolhas concretas que fazemos.

Essa teologia vivida e aplicada a vida diária se torna clara na história de Dona Cristina, uma cuidadora de idosos de 68 anos que encontrei na sala de espera de um hospital. Ela me confessou: “Pastor, eu nunca entendi essas palavras difíceis que vocês usam no púlpito, mas quando meu patrão ficou agressivo por causa do Alzheimer e eu lembrei que Jesus também foi maltratado sem merecer, consegui ter paciência e amor por ele.” Ali, entendi que Dona Clara fazia teologia todos os dias. Uma teologia que transforma sofrimento em compaixão e conecta a cruz de Cristo com as cruzes cotidianas. Foi em momentos como esse que, anos depois de formado, e mais especificamente nos últimos anos, tenho percebido que a boa teologia precisa fazer parte da vida diária das pessoas, precisa movê-las, inspirá-las. Ela não pode ser distante.

A questão que emerge, então, é inevitável: se Jesus vivesse hoje e precisasse explicar o Reino de Deus para uma diarista no transporte público às 6h da manhã, que linguagem Ele usaria? Certamente não seria a linguagem dos tratados acadêmicos, mas a das parábolas do cotidiano, das histórias que tocam a alma e orientam os pés. Ele falaria de sementes, de pães, de moedas perdidas e de patrões justos, conectando o sagrado ao ordinário.

É por isso que o convite final não é para um curso de teologia, mas para um desafio prático. Convido você a experimentar a “teologia de chinelo” – aquela que você pode praticar em casa, no trabalho, no trânsito. Por uma semana, em vez de buscar respostas apenas nos livros, procure Deus nas situações rotineiras: na paciência com o colega difícil, na honestidade ao receber o troco, na esperança diante das contas. Anote uma reflexão simples por dia: “Como minha fé me ajudou hoje?”. O desafio é descobrir que a melhor teologia não é a que impressiona, mas a que transforma a dinâmica de um dia de nossas vidas. 

Aceita fazer da sua vida um laboratório teológico, onde cada decisão é uma chance de praticar o Reino de Deus no reino do cotidiano?