Índice
TEXTO ÁUREO: “Deus nos predestinou para sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, segundo o propósito da sua vontade.” (Efésios 1:5)
LEITURA BÍBLICA EM CLASSE: Efésios 1:3–6
INTRODUÇÃO:
A Epístola aos Efésios foi escrita por Paulo por volta de 60–62 d.C., enquanto estava preso em Roma. Embora destinada à igreja de Éfeso, seu conteúdo é universal — especialmente quando trata da identidade do crente em Cristo. Neste trecho (Ef 1:3–6), Paulo inicia sua carta com uma bênção litúrgica, celebrando as riquezas espirituais que os crentes possuem “em Cristo”. O termo “adotar” (huiothesia, em grego) era um conceito jurídico romano: um homem sem herdeiros podia legalmente adotar um filho estranho, dando-lhe todos os direitos de herança — inclusive o nome da família. Paulo usa esse termo intencionalmente para mostrar que Deus não apenas perdoa, mas nos eleva à condição de herdeiros. A estrutura do comentário será dividida em três tópicos: 1) O plano original de Deus para a família; 2) A doutrina da adoção espiritual; 3) A construção da nova identidade e da comunidade de acolhimento.
I. O Plano Original de Deus para a Família: Imagem, Intimidade e Intenção
Versículos-chave: Gênesis 1:27–28
Desde a criação, a família foi instituída como expressão da própria comunhão divina. Gênesis 1:27–28 mostra que homem e mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus, recebendo a bênção de frutificar, multiplicar e cuidar da criação. Essa passagem revela que a família não é fruto de convenções humanas, mas nasce do coração do Criador, com a missão de refletir Sua bondade e a comunhão trinitária.
Como afirma Timothy Keller, “o plano de Deus para a família é mais sobre refletir Seu amor do que garantir nosso conforto.” Assim, o propósito não está na busca de um ambiente sem falhas, mas na vivência de vínculos que transmitam o amor divino. O Salmo 127:3 confirma essa perspectiva ao afirmar: “Herança do Senhor são os filhos; o fruto do ventre, seu galardão.”
O plano original vai além da biologia: envolve colaboração criativa, cuidado mútuo e vínculos de amor. No entanto, o abandono, a rejeição e a negligência distorcem esse ideal. Essas feridas não anulam o valor da pessoa nem o propósito de Deus. Hernandes Dias Lopes lembra: “Não existem famílias perfeitas, mas existe graça suficiente para a restauração de todas.”
A restauração não é apenas promessa espiritual, mas também realidade prática. Pesquisas como a do Pew Research Center (2021) demonstram que, em diferentes culturas, a família ainda é vista como a principal fonte de apoio e identidade. Da mesma forma, reportagens recentes destacam iniciativas de transformação: “Projetos de acolhimento familiar engajam igrejas e comunidades na restauração de vínculos parentais, proporcionando novas oportunidades para crianças e adolescentes” (O Globo, 2025).
À luz do evangelho, compreendemos que Deus não exige pais perfeitos, mas filhos dispostos a aceitar Sua adoção. Em Cristo, o Filho perfeito, vemos que até as feridas mais profundas podem ser curadas pelo amor redentor.
Por isso, o chamado é simples e profundo: reconstruir pontes, perdoar feridas e cultivar a imagem de Deus no lar. Ao aceitar esse convite, cada família pode tornar-se sinal vivo do plano original do Criador, experimentando restauração e esperança.
II. A Doutrina da Adoção Espiritual: Mais que Perdão, é Herança
Versículos-chave: Efésios 1:3–6
Em Efésios 1:3–6, Paulo apresenta a adoção espiritual como o coração do propósito eterno de Deus: fomos “predestinados para adoção como filhos, por meio de Jesus Cristo” (v.5). Isso significa mais do que absolvição; é pertencimento. Herman Bavinck sintetiza: “A adoção é um ato soberano de Deus pelo qual Ele nos inclui em Sua família por pura graça e nos torna herdeiros junto com Cristo.” Não é um “plano B” para vidas imperfeitas, mas o plano A do Pai — antes da fundação do mundo (v.4), por amor (v.5) e para o louvor da Sua graça (v.6).
No texto original, Paulo usa υἱοθεσία (huiothesía) — “colocar como filho” — termo jurídico romano que implicava transferência definitiva de família, novo nome e plena herança. A própria construção προορίσας ἡμᾶς εἰς υἱοθεσίαν διὰ Ἰησοῦ Χριστοῦ (proorísas hēmas eis huiothesían dia Iēsoû Christoû) sublinha uma escolha deliberada e anterior a qualquer rejeição humana. Assim, a adoção é o contraste absoluto da rejeição: onde os homens dizem “não te quero”, Deus afirma, desde sempre, “tu és meu filho”.
Pense na cena: “No século II, em Roma, um garoto de sete anos, abandonado numa praça, foi levado pelo imperador… ninguém sabia seu nome; naquele dia, recebeu um novo nome: ‘Filho do César’.” Muitos ainda carregam rótulos de “indesejado” ou “sem valor”, mas há um decreto mais antigo: “Você é Meu filho.” É disso que trata Efésios 1 — não sobre como você foi rejeitado, mas sobre como foi adotado. João 1:12–13 reforça: a filiação não nasce do sangue ou da vontade humana, mas de Deus, fundamentando a cura para a dor da rejeição.
Uma imagem ajuda: o selo de cera. Documentos reais eram marcados com o selo do rei — autenticidade e proteção. Quando Deus nos adota, Ele sela nossa identidade: “meu filho, escolhido, amado”. A vida pode amassar o papel, mas o selo permanece. Historicamente, no direito romano, o pater familias podia adotar inclusive adultos, concedendo-lhes nome, herança e deveres como se tivessem nascido naquela casa — um pano de fundo perfeito para a metáfora paulina.
Por fim, a adoção redefine nossa intimidade com Deus: Wayne Grudem lembra que ela é a base de nos aproximarmos do Pai com a confiança de uma criança. Logo, não vivemos apenas “perdoados”, mas nomeados, acolhidos e herdeiros. Tome isso como chamado: abandone a mentalidade de órfão e caminhe na liberdade e segurança de quem foi escolhido para a família de Deus.
III. Construindo uma Nova Identidade e Comunidade de Acolhimento
Versículos-chave: Romanos 8:15–17; 1 João 3:1
Desde os primórdios da fé cristã, adoção espiritual não é apenas um status jurídico, mas uma experiência transformadora, relacional e comunitária. Inspirados nas palavras de Paulo em Romanos 8:15–17—“vocês receberam o Espírito de adoção, pelo qual clamamos: ‘Abba, Pai!’”—e na afirmação de João—“vejam como é grande o amor do Pai ao sermos chamados filhos de Deus, e de fato somos!”—entramos em uma nova realidade onde pertencer é mais do que conceito: é um abraço divino e coletivo.
O termo Abba é, para o povo aramaico, o nome da intimidade infantil, do colo seguro, uma marca de acesso direto, sem medo e sem formalismo religioso. O Espírito Santo faz ecoar dentro de cada filho e filha o direito de correr descalço para os braços do Pai, sem a vergonha do passado nem temor do julgamento. Essa verdade modifica toda relação com Deus: não somos mais escravos de espírito, mas filhos que herdam, compartilham e celebram juntos uma nova família.
Bonhoeffer insistia: “A igreja só é igreja quando existe para os outros.” Assim, a verdadeira filiação não pode florescer em solidão. A comunidade, o Corpo de Cristo, é o espaço vital onde a identidade de filhos é nutrida, curada, confirmada. Paulo fala em “co-herdeiros de Cristo” para afirmar que não há espaço para individualismo: toda herança, alegria, luta ou sofrimento é compartilhado. A igreja é, por essência, um lar—a mesa sempre posta, o porto seguro para rejeitados, quebrados e cansados.
Essa vivência nasce, também, de uma transformação interior: ἀπολαβόντες πνεῦμα υἱοθεσίας (apolabóntes pneûma huiothesías)—“receberam o espírito de adoção” indica entrega ativa, recebimento consciente de um presente que muda a história. O próprio Espírito testemunha junto ao nosso espírito, criando consonância e cura. E João, ao usar Tekna Theou, reforça o afeto, dizendo que somos filhos no tom de quem diz “meu pequeno”, “meu tesouro”.
No entanto, muitos convivem com a verdade bíblica da adoção, mas vivem como órfãos emocionais: trazem feridas, egoísmo defensivo, medo de vulnerabilidade e fingem não precisar de acolhimento. Paulo resgata: “Se um membro sofre, todos sofrem com ele”. A igreja não deve ser performance, mas corpo—e corpos têm cicatrizes e mãos estendidas para cuidar. Não estamos juntos para fingir perfeição, mas para partilhar graça e transformar rejeição em pertencer.
A analogia do Jardineiro e o Transplante expressa bem: quem cresceu num solo árido, cheio de rejeição, floresce ao ser transplantado para uma terra fértil—uma comunidade de cuidado, onde todos, jardineiros e transplantados, se tornam instrumentos de restauração e vida.
No mundo atual, reportagens como a da Revista Eclesia mostram o papel da igreja como refúgio de saúde mental e acolhimento real para jovens ansiosos, deprimidos e feridos pela rejeição. Acolhimento na igreja, quando autêntico, não é só discurso—é salvação prática e diária, misturando lágrimas, escutas e abraços até florescer pertencimento.
Miroslav Volf afirma: “A verdadeira fé não pode ser vivida em isolamento; floresce no terreno da hospitalidade e do pertencimento.” Henri Nouwen complementa: “Acolher é tornar a solidão de alguém em pertencimento.”
Por isso, que tal hoje dar um passo além da dor e do isolamento? Aproprie-se da identidade de filho amado, busque proximidade com Deus como Abba e faça da igreja, célula ou lar um território onde ninguém precise conquistar aceitação—em Cristo, todos já pertencem. Só assim, a adoção espiritual se torna cura, transformação e missão para cada pessoa e toda comunidade.
CONCLUSÃO:
Hoje, vimos que Deus não apenas perdoa nossas falhas — Ele reescreve nossa história. A rejeição humana tenta dizer que você não vale nada. Mas a adoção divina grita: “Você é meu filho! Meu herdeiro! Meu amado!”
Não espere que alguém perfeito venha te curar. Venha a Jesus — e deixe que Ele lhe dê o nome que ninguém jamais te deu: Filho.
E agora, a igreja tem uma missão: ser o lugar onde os abandonados encontram abraços, onde os órfãos descobrem um Pai, e onde todos aprendem a acolher como Deus nos acolheu.
Desafio prático esta semana: Escolha uma pessoa que sofre com rejeição (um amigo, parente, colega) e faça algo simples: envie uma mensagem dizendo: “Você é importante. Você é amado. E eu estou aqui.” E todo dia, ao acordar, diga em voz baixa: “Sou filho de Deus.”





